Por Fábio Dal Molin
Eu vi um sonho assim:
Meu pai estava vivo, e o sonho parecia
real, talvez eu não soubesse mesmo que estava sonhando pelo fluxo de
emoção que acelerou meu coração ao ver aquela imagem-presença
silenciosa e intensa. Pensei em todo o silêncio que preencheu os
dias desde que ele se foi, de tudo que eu queria dizer desde
então. Quem eu sou agora, as coisas que fiz, as histórias que tenho para contar.
Eu disse:
-Pai, que bom que tu estás vivo, agora
eu tenho uma casa, um carro, eu sou professor...
A imagem dele aparecia e desaparecia,
sempre quieto.
Fiquei muito feliz imaginando que
iríamos ao Beira-Rio e que eu poderia contar que o Inter foi
campeão da América e do Mundo com o Abel Braga depois dos anos paradoxalmente felizes que vimos o colorado perder e do quanto eu não me importava
com o resultado do jogo e sim com a vertigem que produzia em mim a
imensidão do estádio. Como eu ficava assustado ao ver ele gritando palavrões e tudo se diluía em pura alegria comemorando
gols e se abraçando em algum desconhecido ao seu lado da
arquibancada.
Eu sorri um riso sonhado com a memória de uma noite de
inverno chuvoso quando faltou luz na arquibancada e nos abrigamos sob
o poncho de um comediante velho e decadente que só ele reconheceu e se tratou como só os antigos desconhecidos se tratavam: velhos amigos. amigos velhos.
Meu pensamento sonhado foi:ele está vivo! Agora poderemos
passar o domingo de manhã tomando chimarrão e fazendo fofocas com a
turma da esquina do bairro: Miro, Schenkel, Dudu, Seu Ivo...Eu escutava histórias de antigamente, dos habitantes do bairro, do Falcão, do Carpeggiani, do Caçapava... Meu cinema era a conversa da esquina.Eu chorei quando Caçapava morreu mesmo só tendo visto ele jogar nas memórias dos velhos amigos de meu pai.
Meu pai morreu tragicamente e não pude
me despedir dele, e agora eu pensei que poderia fazer tudo diferente,
que eu o convenceria a viver, que eu agora poderia cuidá-lo e
protegê-lo.
Subitamente a realidade do sonho mudou
e fui invadido por pensamentos confusos e céticos, ideias de que
não havia mais lugar para ele neste mundo.
Meu pai não se encaixava
mais nessa realidade, tudo o que acontecera até hoje fora sem a
presença dele.
Meu pai agora aparecia como uma imagem
no espelho que perdeu seu objeto, e então não havia mais objeto,nem
espelho, nem luz.
O mundo, as coisas, o tempo, tudo está em movimento.Mas as pessoas mortas parecem tão paradas...
Então eu abri meus olhos e despertei.