terça-feira, 31 de julho de 2018

Asas


Por Jesline Cantos

Eu vi um sonho assim:

Eu estava no meu quarto, sentada na cama, a iluminação do ambiente era bem baixa, mais do que o comum,no entanto, não havia nada de sombrio ali. Meu pai e minha irmã estavam presentes lá, ela estava do meu lado e ele de pé. Eu tinha pequenas asas de borboleta coloridas, de tons azulados e roxos nas minhas costas. Eram pequenas asas. Eu falava para minha irmã que estava muito feliz, pois eu não precisava mais escondê-las e no momento em que eu dizia isso sentia uma alegria tão imensa que inundava todo meu ser.
O tormento de esconder aquelas asas já podia me abandonar. Meu pai saía do quarto e voltava trazendo dois potes de vidro, ao receber eu sabia e dizia que aquele era um ritual muito importante, quis chorar, mas não chorei. Os potes eram o passado e o futuro e eu os segurava cada um em uma mão e olhava para eles com afinco. Assim que fazia isso, minhas asas tornavam-se enormes, eu as via assim, eram asas proporcionais ao meu corpo, começavam da cabeça e iam até os meus pés. Eram lindas, puras e eu voava com muita alegria. 
Então eu abri meus olhos e despertei.



Restos diurnos


Por Rodrigo Fernandes Teixeira

Eu vi um sonho assim


Estranho. A frase de início do texto causa estranheza a priori, pois quando sonho não sei quem é "eu". Quando eu acordei, lembrei de um sonho que creio ser assim, um sonho que se formou dessa forma: A imagem que se formou era de um estádio de futebol que creio que seja o Vicente Calderón, do Atlético de Madrid. Nele o Atletico jogava, eu acho. A cena que existiu era de um gol marcado pelo zagueiro Diego Godín. Eu estava na comemoração, não sei se era da comissão técnica ou um fotógrafo, mas ele me abraçou em um bolinho de gente em uma euforia sem igual, que lembrava um pouco a euforia dos gols que o mesmo marcou na derrota na final da Champions de 2014 ou na vitoria na la liga contra o Barcelona que garantiu o título. O gol de cabeça do Godín em algum momento decisivo é uma espécie de entidade mística do futebol. Mas por que diabos sonhei com isso? Não está na temporada de futebol europeu, a copa acabou, por que será eu sonhei  com o Godín? Os motivos pelos quais os sonhos se formam são problemas de quem acorda, não a toa o pleonasmo acerca da formação do sonho. E o pior sonho é aquele que é muito despretensioso. Que conteúdo podia ter este? Vicente Calderón? Podia minha vida ser um caldeirão? Será que era essa a mensagem? Daí lembrei do filme que havia visto antes de dormir: Thor - Ragnarok. No filme, Odín morreu. Deus Odín. Em ingles, idioma do filme: God Odín. Godín. Parece ser um resto diurno. Parece, não sei. Nunca saberei, sei que quando comemorei o gol, o sonho se foi.


Então eu abri meus olhos e despertei




domingo, 29 de julho de 2018

Pai



Por Fábio Dal Molin
Eu vi um sonho assim:

Meu pai estava vivo, e o sonho parecia real, talvez eu não soubesse mesmo que estava sonhando pelo fluxo de emoção que acelerou meu coração ao ver aquela imagem-presença silenciosa e intensa. Pensei em todo o silêncio que preencheu os dias desde que ele se foi, de tudo que eu queria dizer desde então. Quem eu sou agora, as coisas que fiz, as histórias que tenho para contar.
Eu disse:
-Pai, que bom que tu estás vivo, agora eu tenho uma casa, um carro, eu sou professor...
A imagem dele aparecia e desaparecia, sempre quieto.
Fiquei muito feliz imaginando que iríamos ao Beira-Rio e que eu poderia contar  que o Inter foi campeão da América e do Mundo com o Abel Braga depois dos anos paradoxalmente  felizes que vimos o colorado perder e do quanto eu não me importava com o resultado do jogo e sim com a vertigem que produzia em mim a imensidão do estádio. Como eu ficava assustado ao ver ele gritando palavrões e tudo se diluía em pura alegria comemorando gols e se abraçando em algum desconhecido ao seu lado da arquibancada. 
Eu sorri um riso sonhado com a memória de uma noite de inverno chuvoso quando faltou luz na arquibancada e nos abrigamos sob o poncho de um comediante velho e decadente que só ele  reconheceu e se tratou como só os antigos desconhecidos se tratavam: velhos amigos. amigos velhos.
  Meu pensamento sonhado foi:ele está vivo! Agora poderemos passar o domingo de manhã tomando chimarrão e fazendo fofocas com a turma da esquina do bairro: Miro, Schenkel, Dudu, Seu Ivo...Eu escutava histórias de antigamente, dos habitantes do bairro, do Falcão, do Carpeggiani, do Caçapava... Meu cinema era a conversa da esquina.Eu chorei quando Caçapava morreu mesmo só tendo visto ele jogar nas memórias dos velhos amigos de meu pai.
Meu pai morreu tragicamente e não pude me despedir dele, e agora eu pensei que poderia fazer tudo diferente, que eu o convenceria a viver, que eu agora poderia cuidá-lo e protegê-lo.
Subitamente a realidade do sonho mudou e fui invadido por pensamentos confusos e céticos, ideias de que não havia mais lugar para ele neste mundo.
Meu pai não se encaixava mais nessa realidade, tudo o que acontecera até hoje fora sem a presença dele. 
Meu pai agora aparecia como uma imagem no espelho que perdeu seu objeto, e então não havia mais objeto,nem espelho, nem luz.
O mundo, as coisas, o tempo, tudo está em movimento.Mas as pessoas mortas parecem tão paradas...
Então eu abri meus olhos e despertei.