Por Gabriel de Vargas
Eu vi um sonho assim:
Estava na minha
antiga casa. Desta vez estava na sala, olhava os detalhes da janela,
de joelhos no sofá. O portão e grades antigas que há muito não
existem mais. A janela estava entreaberta, de forma que conseguia ver
o lado externo sem que o lado externo me visse. Lembro dos dois
quadros a minha direita, sobre a tomada e o interruptor de luz. A
casa existia novamente, imodificada, intacta, como se suas paredes
jamais tivessem sido derrubadas e sua forma a única que cabia
naquele lugar. Uma mulher aparece no portão tentando abri-lo
furtivamente. Percebi que um carro esperava ela há alguns metros de
distância, com um homem de motorista e uma outra mulher carona no
banco traseiro. Sem deixar o sofá, me esquivei para o lado jogando o
braço direito sobre a altura do meu ombro em direção ao
interruptor de luz. Sem hesitar, liguei a luz da garagem na intenção
de intimidar a conhecida mulher que em estado ansiogênico balançava
o portão tentando de toda maneira invadir a parte externa da
residência. Mesmo sabendo que haviam pessoas na casa ela insistia e
se tornava ainda mais violenta no seu objetivo. Resolvi gritar para
que parasse, para mostrar que observava sua ação, que podia
enfrenta-la caso invadisse. Mesmo com meu alerta ela se manteve
obstinada, naquele momento a um passo de conseguir entrar. Disse que
ia chamar a polícia e me retirei do sofá em direção não ao
telefone, mas ao corredor que ligava a sala à cozinha, e no meio do
caminho uma porta que dava ao quarto de meu pai. Ele dormia sozinho
quando o chamei. Acordou assustado, como se estivesse pronto para o
combate. Relatei o fato que me levara até ali e pedi para que
pegasse sua arma na intenção de alvejar aquela mulher. Ele não
pegou a arma, mas levantou e foi até a sala. Em uma frase rude dita
pelo meu pai, a mulher sibilou, arregalou os olhos e correu rápido
em direção ao carro. O motorista rapidamente pôs o carro em
movimento e na fuga dispararam sem emitir um único som. Meu pai
volta tranquilamente para seu quarto. Disse que eu não me
preocupasse se ela voltasse, pois o carro estava coberto pelo seguro.
Começou a falar de carros e a inflação crescente a cada mês.
Contou o caso de uma conhecida que comprou um carro em um mês por
190 mil e no outro mês quando precisou trocá-lo ele já valia 210
mil.
Ele voltou a deitar e eu fiquei espiando pela janela da frente,
imaginando que eles voltariam, devaneando. Pensei em pegar a arma e
atirar caso voltassem. Em um desses devaneios, ameaço atirar na
mulher e ela me desafia, duvida que eu vá ter coragem de matá-la.
Então eu atiro. Estava preparado para efetivar isso. Pôr em
prática. De fato, me sentia pronto. Não porque me importasse
realmente com o carro. Mas eu tinha uma boa razão, eu teria uma
justificativa razoável se o fizesse. Nada poderia me impedir. Nada
pessoal com aquela mulher, no fundo até sentia um pouco de piedade,
ela só estava tentando no dia errado. Aquela mulher era alguém que
devia ter uma boa razão para invadir, e a bala que atravessaria seu
corpo seria somente um encontro funesto, fortuito. E momentos de
infortúnio acontecem. O tempo inteiro.
Eles passam mais
algumas vezes na frente de casa, rapidamente, como uma munição em
movimento, sem parar e sem atingir um alvo. E tudo que eu desejava
era isso. Eu verdadeiramente estava pronto para atirar.