quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Eu, em partes

Por Jesline Cantos

Eu vi um sonho assim:

Eu estou inquieta com a tatuagem inacabada no meu corpo, o incômodo levava a uma pressão na tatuadora para acabar o trabalho, aquele Leão nas costas tinha falta de uma parte do rosto e de alguma cor. De repente, a tatuadora começa a tatuar, mas agora no meu rosto. Não há dor, mas há náusea, ela pincela minha face como se estivesse criando um quadro, daquela primeira sensação, vou à confusão e à invasão.
Por que uma tatuagem no rosto? Eu sou essa que a pedi antes? Por que me desrespeita essa ação? A imagem congela. É como se eu fosse a tela de um cinema, mais especificamente o meu rosto, e atrás desse crânio tem uma imagem. Dessa imagem estática surge uma cena. Uma família está rodeada de Leões, eu não sou mais agente da ação, contudo estou presente enquanto alguém que vê, mas que faz isso sem um corpo e que ouve: essa imagem é um arquétipo.
Aquelas pessoas começavam a tentar uma defesa, meu choque é quase indiferente, percebo que não posso fazer nada, pois eu sou o próprio ambiente, ainda assim, tento medir a real possibilidade daquelas pessoas. Na defesa, eles conseguem derrotar seis leões, mas aquele único, o sétimo e último derrota todos eles e estraçalha aquela família inteira.
Apenas vejo, mas não sei mais onde estou, o sangue é escondido para mim, só sei que alguém perdeu, toda a família. Algo no meu íntimo entende que aquela cena toda diz imageticamente algo sobre a vaidade. O que? Talvez eu precise de tempo do relógio para atravessar a ponte dessa compreensão. E logo eu começo a cair, mais e mais até que, outro lugar se faz diante de mim. Um concurso.
Por que eu participo de uma competição quando sei que elas só servem para deslegitimar o lugar do outro e o meu dentro da nossa relação? Contudo, eu não sei de nada, aquela ação é maior do que eu. É um concurso de movimentos no trapézio, é a minha vez. Mas eu não me lembro de movimento nenhum. Todos os presentes me olham e esperam - e eu odeio competições.
Começo um movimento, contudo, não sei mais como desenvolver aquilo. Eu pergunto para os concorrentes como se faz aquele movimento, o diálogo acontece, mas nada de meu corpo responder. Onde que eu faço meu corpo entender que o raciocínio de cabeça para baixo não serve para nada? Por que a mente quer me convencer de algo? E por que ela segue? Por quê? Por quê? Volto a tentar agir. Contudo, a ação está emperrada.
 Lembro-me de uma carta de ódio que recebi a qual rasguei e pus fogo em toda ela. Agora tenho alguma compreensão que as cinzas dessa carta queimam a minha vida. Já não estou mais lá, tento abraçar uma pessoa querida e ela me diz que não pode me abraçar agora, eu a puxo e enquanto tento abraça-la com afeto ela está ocupada olhando para o lado. Ela olha para uma pessoa que tem a cabeça costurada. Os médicos conversam:
- Você viu que da última vez quem costurou fez errado e agora tem uma cicatriz?
Eu quero abraçá-la, não me importo com a cabeça que é costurada, ela, no entanto, só se importa com isso, tanto que não me olha em nenhum momento. Ela sai e diz que não pode me dar o abraço naquele momento e que podemos fazer isso outra hora.

Então eu abri meus olhos e despertei.

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