sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A obstinada invasora

Por Gabriel de Vargas

Eu vi um sonho assim:

Estava na minha antiga casa. Desta vez estava na sala, olhava os detalhes da janela, de joelhos no sofá. O portão e grades antigas que há muito não existem mais. A janela estava entreaberta, de forma que conseguia ver o lado externo sem que o lado externo me visse. Lembro dos dois quadros a minha direita, sobre a tomada e o interruptor de luz. A casa existia novamente, imodificada, intacta, como se suas paredes jamais tivessem sido derrubadas e sua forma a única que cabia naquele lugar. Uma mulher aparece no portão tentando abri-lo furtivamente. Percebi que um carro esperava ela há alguns metros de distância, com um homem de motorista e uma outra mulher carona no banco traseiro. Sem deixar o sofá, me esquivei para o lado jogando o braço direito sobre a altura do meu ombro em direção ao interruptor de luz. Sem hesitar, liguei a luz da garagem na intenção de intimidar a conhecida mulher que em estado ansiogênico balançava o portão tentando de toda maneira invadir a parte externa da residência. Mesmo sabendo que haviam pessoas na casa ela insistia e se tornava ainda mais violenta no seu objetivo. Resolvi gritar para que parasse, para mostrar que observava sua ação, que podia enfrenta-la caso invadisse. Mesmo com meu alerta ela se manteve obstinada, naquele momento a um passo de conseguir entrar. Disse que ia chamar a polícia e me retirei do sofá em direção não ao telefone, mas ao corredor que ligava a sala à cozinha, e no meio do caminho uma porta que dava ao quarto de meu pai. Ele dormia sozinho quando o chamei. Acordou assustado, como se estivesse pronto para o combate. Relatei o fato que me levara até ali e pedi para que pegasse sua arma na intenção de alvejar aquela mulher. Ele não pegou a arma, mas levantou e foi até a sala. Em uma frase rude dita pelo meu pai, a mulher sibilou, arregalou os olhos e correu rápido em direção ao carro. O motorista rapidamente pôs o carro em movimento e na fuga dispararam sem emitir um único som. Meu pai volta tranquilamente para seu quarto. Disse que eu não me preocupasse se ela voltasse, pois o carro estava coberto pelo seguro. Começou a falar de carros e a inflação crescente a cada mês. Contou o caso de uma conhecida que comprou um carro em um mês por 190 mil e no outro mês quando precisou trocá-lo ele já valia 210 mil.
Ele voltou a deitar e eu fiquei espiando pela janela da frente, imaginando que eles voltariam, devaneando. Pensei em pegar a arma e atirar caso voltassem. Em um desses devaneios, ameaço atirar na mulher e ela me desafia, duvida que eu vá ter coragem de matá-la. Então eu atiro. Estava preparado para efetivar isso. Pôr em prática. De fato, me sentia pronto. Não porque me importasse realmente com o carro. Mas eu tinha uma boa razão, eu teria uma justificativa razoável se o fizesse. Nada poderia me impedir. Nada pessoal com aquela mulher, no fundo até sentia um pouco de piedade, ela só estava tentando no dia errado. Aquela mulher era alguém que devia ter uma boa razão para invadir, e a bala que atravessaria seu corpo seria somente um encontro funesto, fortuito. E momentos de infortúnio acontecem. O tempo inteiro.
Eles passam mais algumas vezes na frente de casa, rapidamente, como uma munição em movimento, sem parar e sem atingir um alvo. E tudo que eu desejava era isso. Eu verdadeiramente estava pronto para atirar.

Então eu abri meus olhos e despertei.

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