sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Plutão, a viagem, o Olimpo e um deus em fúria



Por Marisol Maiche Duarte

Eu vi um sonho assim:

Estou em um lugar enorme onde muitas pessoas desconhecidas estão a preparar vários tipos de alimentos para minha família como provisão. Vejo meu pai em seus últimos preparativos daquilo que seria seu “carro-espaçonave”. Tratava-se de um veículo vermelho. Descubro que logo partiremos para Plutão e que só chegaremos lá na época do Natal. Por conta disso meu pai está carregando para dentro do veículo enfeites de Natal para enfeitarmos o lugar assim que chegarmos. Eu paro e penso: “eu não quero ir...imagina se acontece alguma coisa e morre todo mundo, não vai sobrar ninguém da família. Eu não vou!” Resolvo me esconder e vou parar no Olimpo. Me escondo atrás de uma coluna e observo um mortal reivindicando seus direitos com um de seus deuses. Observo a fúria deste deus que sem clemência alguma arrasta sua mão pelo chão provocando assim uma grande enxurrada de água que acaba aniquilando o mortal.

Então eu abri meus olhos e despertei.

Um dia na vida



Por Fábio Dal Molin
 A day in the life

Acordei, caí da cama
Passei um pente pela minha cabeça
Desci as escadas e tomei um café
E olhando para cima, percebi que estava atrasado
Achei meu meu casaco e peguei meu chapéu
Subi no ônibus segundos depois
Subi as escadas e fumei um cigarro
E alguém falou, e eu entrei em um sonho (Lennon & McCartney)

Freud, no capítulo 3 de sua "Intepretação dos sonhos" produz a famosa expressão  "O sonho é um desejo realizado"
Desejar, na psicanálise, é um verbo distinto de querer por sua intransitividade, desejamos sempre.
Contudo, meu desejo aqui é da ordem do querer. Eu queria muito que o escreverei a seguir tivesse sido apenas um sonho daqueles que temos pressa de acordar então aqui produzo essa ruptura, uma fantasia criativa, um faz-de-conta. Infelizmente tudo aconteceu, mesmo que agora tudo seja texto e memória.

Eu vi um sonho assim

Agora estou aqui diante do teu corpo em um caixão, a pele opaca e branca, os dedos entrecruzados sobre o abdômen, o terno e gravata que não parece combinar com teu estilo, mesmo que eu tenha entrado na tua  há menos de 24 horas, e tu tenhas estado na minha por apenas uns poucos minutos
  A maneira como nos encontramos foi quase cinematográfica, na qual meu roteiro pessoal começou na viagem de Rio Grande a POA, depois em uma corrida  de meia hora na redenção, minha sessão de análise, um café espresso e logo estava na Cozinha de Afrodite com minha amiga Simone combinando que eu cozinharia uma Paella na véspera da eleição. Mais um dia que se somaria aos 15.769 que já vivi até hoje não fosse o último da tua. A primeira vez que te vi tive a sensação que estava em um filme em plano sequencia, no qual minha câmera pessoal prestava atenção na conversa até que se deslocou para uma pessoa que veio perguntar se te conhecíamos,  e imediatamente o cameramen deslocou o foco para  teu enquadramento deitado na calçada, usando o degrau da entrada de um prédio.
 A Simone te reconheceu, disse teu nome, e conseguimos te acordar, e, velho tu estavas mal, muito mal, a pele suada e branca, a respiração ofegante, mal podia falar o que sentia, dizia que estava mal, que teria comido algo na Lancheria. Eu pensei, e disse, que não há comida que faça mal tão instantaneamente.
O que fazemos, para quem ligamos? Simone te traz uma água, que tu bebes e quase imediatamente regurgita com toda a  comida que comeste no buffet, uma quantidade  brutal de vômito. Para quem ligamos? Teu pai está em São Paulo. Tua mãe? A sócia? Tu nos deu teu celular e teu endereço para chamarmos o Uber. Não, não foi assim. "Me mijei todo". Sim, eu sei,  o rastro liquido no chão tocou um triste alarme na minha cabeça. Senti pena,não, senti medo? Não consigo entender. Algumas horas depois lembrei dessa frase e ela grudou no meu pensamento e aí caiu a ficha, e não conseguia parar de chorar, Desmaio, xixi nas calças e vômito... Não sei se no meio da dor, da sufocação e da agonia não te sentias indigno, envergonhado...
Agora minha lembrança volta para aqueles minutos em que suavas frio e vomitavas, quando tive a ideia de chamar uma ambulância, e tu me deste tua identidade com o telefone do ecco salva.
Eu não sei o que houve com meu coração. Uma semana antes eu presenciara uma briga de socos entre um motorista e um passageiro de um ônibus, e consegui apartar e acalmar os ânimos e meu coração não alterou o batimento. Agora também estou absolutamente calmo enquanto a tua vida se esvai e eu dou  informações sobre teu estado a um paramédico: desmaiou, está agora consciente, passa mal, vomitou, fez xixi, não cheira a álcool...
Ambulância a caminho e tu seguias sentado, agoniado, dizendo que vai morrer, e eu e a Simone discordando "não, tu não vais, não hoje" Eu cheguei a dizer "tu não vais morrer, não hoje, não na minha presença". "R. tu és diabético?" "Não".  "Estás com dor no peito ou no braço" "Não"
"Eu vou morrer" "Não vai " "Eu vou morrer" "Não vai"
Meu coração ainda está calmo, horrivelmente calmo. Será que é esse o resultado dos anos de arte marcial? A calma, a tranquilidade que as pessoas tanto almejam?Estou diante de um homem morrendo e não tenho sequer a capacidade de me desesperar? Estou me dissociando do mundo? É assim que minha morte vai chegar algum dia, vou desacelerar meu coração aos poucos? Foda-se  o Buda, fodam-se os monges, eu quero meu desespero de volta!!!!
"Vou morrer" "Não vai". "Não me deixem" " Nunca"
Ligo de novo para a ambulância "Ela está a caminho com a sirene ligada"

"Vou morrer" "Não, hoje não"
Escutamos a sirene e vemos a ambulância passar da nossa rua para fazer um contorno na quadra seguinte.
Então ela chega e eu digo "chegou a cavalaria".
Os paramédicos agem rápido, mas tu parece que te entregaste, eles te deitam no chão e tu convulsiona. Até então estavas resistindo bravamente. Eu nunca lutei contra a morte (ou será que não é isso que faço por toda minha vida?)
O esforço para te colocar na maca foi o que me passou tuas dimensões, mais de um metro e noventa. Já tinhas problemas de coração, um coração grande, mas não o bastante para esse corpo.
As portas da ambulância se fecharam e eu fui embora apressado e tranquilo, crente que te levariam ao hospital e tudo não passaria de uma crise de pressão baixa ou de ansiedade.
Agora penso nisso. A tranquilidade é uma maldição, uma anestesia. Eu quero voltar para esse mundo.
Ou talvez não. Foi diante de teu corpo no caixão que conheci teu pai e tua melhor amiga, e  consegui ver alguma luz na dor dos olhos deles, como os de tua mãe que quase sorriram para mim.
Eu estou no teu velório como o guardião do tesouro significante dos teus últimos minutos de vida, cujo valor eu não teria nenhuma noção, apenas pude vislumbrar um lampejo no olhar melancolicamente feliz de teus pais  que suplicavam para que eu repetisse que o filho deles não morreu sozinho, não foi abandonado.
E aqui estou eu, um estranho no velório, Nowhere man siting in his nowhere land making all his nowhere plans for nobody
Mesmo que eu pense que todos morremos sozinhos, e não foi diferente contigo, eu pude trazer a ilusão como oferenda de luz na impensável escuridão da perda de um filho.
Eu soube agora que tinhas 42 anos, um a menos que eu, é o segundo velório de alguém  cuja idade é muito próxima da minha, como segue a música "Isn't you a bit (beat) like you and me.
Depois de tomar banho e me vestir para o último compromisso da noite recebo o telefonema em prantos da Simone dizendo que tinhas morrido, a ambulância não te levara para o HPS  ela acompanhou ao lado do teu irmão as tentativas de te ressuscitar.
E o maldito desespero não me atingiu ainda.
Sem me abalar muito fui a um encontro da APPOA e minha mente parecia dissociada do corpo, como naquelas anestesias peridurais.
Resolvi voltar a pé e enquanto descia a Protásio Alves sob a garoa e a melancolia dos bares vazios e decadentes eu lembrava  que tinha prometido que não irias morrer.

Então eu abri meus olhos e despertei


sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Sonho 3


Por Carolina Peixoto

Eu vi um sonho assim:

Estávamos em um almoço grande, com muitos convidados. Eu andava em meio às pessoas procurando conhecidos. Eu via grupos reunidos conversando, eles gesticulavam muito e as pessoas falavam quase todas ao mesmo tempo. Havia uma tensão no ar. A reunião era um encontro da “resistência” ao novo governo recém eleito. Eu andava e podia ver nos olhares e nas expressões dos rostos o medo, a incerteza e a revolta. Enquanto me esgueirava contornando os grupos, pensava que talvez estivéssemos revivendo os sentimentos de 64. Meu coração estava acelerado. Eu procurava o rosto do meu marido. Quando consegui chegar num espaço um pouco mais amplo, o vi de longe. Estava próximo de um muro muito alto que separava o jardim da calçada. Assim que o encontrei com os olhos, dois homens entraram e o pressionaram contra o muro. Meu alívio se transformou em pânico. Eu sabia o que estava acontecendo. Ele seria levado. Todos sabiam que os prisioneiros eram levados ao “cadeião” e depois disso nunca mais os víamos. Fiquei paralisada olhando a cena de longe. Podia sentir meu peito inflando mas sufocava de medo. Tive o impulso de correr e gritar, mas a razão me dizia para não fazer. Se o fizesse, seria pega junto. Provavelmente eu estava sendo procurada também. Dei dois passos para trás devagar, me misturei aos outros convidados até chegar em um portão lateral. Assim que saí à rua, corri com toda a energia que pude sem olhar para trás. Corri esbaforida até chegar ao centro da cidade e entrei em uma loja de roupas baratas e me escondi num labirinto de araras lotadas. Fiquei ali, soterrada pelas roupas e pelo calor tentando recuperar o fôlego até que o pânico foi interrompido pela vibração do celular. Uma mensagem recém chegada dizia: PROCURE FRANCO. LUIZ LORÉA, 158. Meu rosto se iluminou. Entendi que os companheiros do almoço estavam me ajudando e senti de novo a esperança que movia o grupo. Havia chance e eu agora sabia o que fazer. Saí à rua e voltei a correr.

Então eu abri meus olhos e despertei.

A besta e o caldeirão

Por Fábio Dal Molin

Eu vi um sonho assim:

Estou diante de uma imensa pirâmide com uma de suas faces recortadas como naqueles livros didáticos de antigamente que mostravam "as coisas por dentro", ela é feita de terra e  sua estrutura mostra sulcos e camadas onde  circulam muitas pessoas vestidas para um ritual. No chão há um rio de lava incandescente e no meio, suspenso no ar,  há um caldeirão.
Eu sinto meu corpo todo ser percorrido por um arrepio, há algo que não é bem uma voz, é um pensamento, um fluxo de sensação, um sussurro que diz que algo vai acontecer.
Agora sei que uma entidade poderosa virá e isso será o fim da humanidade.
O fluxo sussurra que sou eu quem deve agir para conter o mal e para tanto preciso realizar uma tarefa que ainda não sei qual é.
O tempo congela e o fluxo de sensações se converte em um arrepio de pavor. As pessoas que estão na pirâmide começam a cantar  uma canção ritual, um mantra, um  murmúrio hipnótico ensurdecedor.
A entidade está chegando, eu posso vê-la, é um homem gordo de barba longa com um machado na mão.
Algo me diz que para evitar que a entidade desça para a terra e destrua o mundo eu preciso montar um objeto dividido em três partes e agora ele está na minha frente, mas eu sou incapaz de fazê-lo.
A entidade aparece dentro do caldeirão e as vozes cantam cada vez mais alto.
É o fim de tudo, o massacre, o rio de sangue, o apocalipse.

Então eu abri meus olhos e despertei.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Hulk


Por Leonardo Della Pasqua

Eu vi um sonho assim:

Eu estava preocupado e procurava um modo de matar o Hulk, pois sabia que suas células se regeneravam. Neste momento me veio à mente a imagem de boomerangs afiados sendo disparados na direção dele, perfurando a sua cabeça. Em seguida eu era o Hulk e fugia do Batman e da Batgirl que tentavam me matar. Estávamos em uma floresta e os dois lançavam boomerangs letais em minha direção, sem me acertarem. Com medo, eu derrubava árvores e jogava neles objetos que encontrava pelo caminho, com o objetivo de retardá-los, mas eles se aproximavam cada vez mais. Ao chegar em um penhasco à beira-mar, vi um centro habitado e atirei uma pessoa lá de cima, com o objetivo de despistar o Batman e a Batgirl imaginando que eles iriam salvá-la e eu teria tempo de fugir. Enquanto assistia a cena, um homem gritou que o sujeito que lancei ao mar iria morrer, pois aquele lugar era cheio de pedras e não tinha muita profundidade.

Então eu abri meus olhos e despertei.

domingo, 9 de setembro de 2018

A escola como ela é

Por Jéssica Cantos

Eu vi um sonho assim:

Era uma sala de aula de uma escola que não conseguia definir exatamente qual. Talvez uma mistura de todas em que já estive. Tinham crianças na faixa dos 10 anos de idade. Seria mais um dia comum na escola não fosse a presença dos pais dos alunos dentro da sala de aula. Em sua maioria eram as mães que acompanhavam seus filhos, havia um ou outro pai. Os pais/mães ocupavam na cadeira o espaço que habitualmente seus filhos ocupam e os filhos estavam sentados numa cadeira extra colocada ao seu lado. A aula começou como de costume, a Professora fez a chamada e depois eu entreguei cópias de um texto para todos os presentes. Eu executava uma função de ajudante e observava com atenção o comportamento de todas as pessoas. Ela seguiu colocando questões no quadro e explicando a matéria. Todos permaneceram em silêncio. Essa aula se passava como se não tivesse nada de diferente. Ninguém disse, mas eu sabia que era uma forma dos pais sentirem na própria pele como era estar naquele ambiente. Nos olhares e gestos desses pais eu senti que eles estavam estarrecidos com a frieza e desconforto daquele espaço.

Então eu abri meus olhos e despertei.

Marimbondos e dinossauros de pelúcia

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Por Fábio Dal Molin

Eu vi um sonho assim

Uma memória perdida da infância: estávamos na casa do meu avô em Nova Bassano e comemorávamos seu aniversário, não lembro qual idade: 60, 65, 70? Todos estávamos sentados dentro de um galpão velho de madeira que era usado como garagem.

No instante seguinte eu estava grudado nas paredes do galpão e via a festa de cima. Eu estava entre duas colméias recém iniciadas, de um lado eram marimbondos e de outro, abelhas,e isso me deu medo porque sou alérgico e já tive um choque anafilático. Mas isso aconteceu bem depois, meu avô já havia morrido e eu já era formado em Psicologia...Na colméia dos marimbondos havia um enorme e marrom com o ferrão aparente. Eu nunca levei ferroada de marimbondo e agora habito a interface e saio voando.
Em seguida estou com minha mãe em um Shopping Center onde há uma exposição de dinossauros, eu e ela corremos em volta da exposição de fósseis e bonecos de pelúcia.

Então eu abri meus olhos e despertei.

Amizade e conflito

Por Davi Masi


   Eu vi um sonho assim:

Estava com um folder em mãos, tentando ler. Tinha letras pretas em um papel branco, somente palavras, as quais não conseguia enxergar, como se eu precisasse de óculos com grau mais elevado. Olhei para frente. Vi que estava em um cruzamento na cidade de Rio Grande. O alvorecer da cidade tinha mais vida, movimento, cores e detalhes nas construções. Havia chovido durante a noite.
Estava esperando a oportunidade para atravessar a rua. À minha esquerda estava um amigo da psicologia (neste sonho não se distinguia se éramos psicólogos ou estudantes de psicologia), ao qual darei o nome de John. Ele fez comentários sobre o fato de estarmos tentando atravessar a rua, na sinaleira, mas passavam muitos carros e não respeitavam a vez dos pedestres. Ao olhar para a direita, vi que lá estavam duas colegas também psicólogas, mas eu não lembrava de nada sobre elas além da profissão. Elas cochichavam entre si sobre algo, esperando junto comigo e John para atravessar a rua.
Em todo o tempo que esperávamos não conversávamos, ocupados demais com a angústia de tentar atravessar e os carros não deixarem. Esperamos por muito tempo, não sei precisar quanto. Até que conseguimos atravessar, quando já não passava carro algum.
Seguimos nosso caminho conversando, sem as gurias. John me contava sobre uma das psicólogas:
-   Vou começar a fazer terapia com ela, mas não sei se ela vai dar conta das coisas que eu tenho pra trazer. Por isso ela disse que também vai me contar as coisas dela. Então na verdade é isso, vai ser uma troca…
Ele falava os detalhes dessa proposta de terapia, e eu me indignava por não ver sentido em chamar isso de terapia. Sendo ele meu amigo há muito tempo, não me contive e o interrompi:
-   Tu poderias ter esse tipo de relação comigo, porque eu sou teu amigo…
John sorri, me dá uns tapinhas nas costas e diz:
-   Mas é que tu estás muito sobrecarregado, Davi.
Nesse momento um misto de tristeza, raiva e frustração emerge em mim. Minha voz embarga enquanto eu respondo:
-   É isso que as pessoas pensam… que estou sobrecarregado, então me deixam pra lá… … … Me sinto sozinho…
Caminhamos mais uns passos em silêncio, de repente estávamos na igreja, a quilômetros de distância. A parte do culto não existiu no sonho, John e eu já estávamos de saída. Como é de costume na igreja, nos abraçamos e nos beijamos no rosto. Só que mais ninguém se abraçava. A multidão se espremia para sair pela porta. Ignorei o pastor da igreja (por algum motivo) que cumprimentava o povo na saída.
Quando finalmente estávamos fora da multidão, vi um amigo que já não via há muito tempo. Nos abraçamos longamente, conversamos sobre sua filha recém-nascida e John ficou distante. Percebi que já era noite.
Quando me dirigi a John ele me disse, sorrindo:
-   Me encontra na frente da loja Morgana. Ali perto tem um lugar muito legal pra tomarmos um café.
De repente estávamos no meio do caminho (indo para o centro da cidade), era na frente da minha casa. Já era dia, como que final de tarde e o céu estava alaranjado, modificando as cores das casas e da rua.
Eu estava a pé e John de bicicleta. Corri em direção a ele, que seguiu a um lugar virando a esquina. Era uma academia nova chamada “Psicopata”. Eu chamava ele mas ele entrou, não entendia o motivo. Logo após hesitar por um momento eu entrei. A academia era descendo uma larga escadaria. Fiquei no alto observando, John já estava explorando os equipamentos disponíveis. Vi que somente o recepcionista estava lá. Não havia mais ninguém.
O local vai se transformando em uma loja de roupas.
Indaguei John sobre o lugar que iríamos, sobre que tipo de café era. Ele explica, enquanto usava um equipamento de musculação em uma loja de roupas:
-   Vamos comer hot dog, fritas e um chocolate (quente).
Não entendendo a combinação, perguntei:
-   Mas tem Chopp?
Ele disse:
-   Teeem siiiim… mas vamos gastar entre 50 e 100 reais...
Então entrei em conflito: Aceitar gastar um dinheiro que eu não tenho, pois preciso pagar minhas contas, só pra agradar meu amigo ou dizer não. Eu não queria dizer não.
Enquanto eu pensava sobre meu conflito tirei a camisa e vi que tinha várias tatuagens pelo corpo. Todas em blackwork, nas costas e na barriga. Uma no peito, próxima ao coração. Então, eu pegava nanquim e pintava elas para ficarem mais escuras. Era como um ritual, ou como se estivesse me preparando para algum evento em que estaríamos caracterizados. Lembro que as tatuagens tinham a ver comigo, mas não lembro o que eram...

Então eu abri meus olhos e despertei.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A obstinada invasora

Por Gabriel de Vargas

Eu vi um sonho assim:

Estava na minha antiga casa. Desta vez estava na sala, olhava os detalhes da janela, de joelhos no sofá. O portão e grades antigas que há muito não existem mais. A janela estava entreaberta, de forma que conseguia ver o lado externo sem que o lado externo me visse. Lembro dos dois quadros a minha direita, sobre a tomada e o interruptor de luz. A casa existia novamente, imodificada, intacta, como se suas paredes jamais tivessem sido derrubadas e sua forma a única que cabia naquele lugar. Uma mulher aparece no portão tentando abri-lo furtivamente. Percebi que um carro esperava ela há alguns metros de distância, com um homem de motorista e uma outra mulher carona no banco traseiro. Sem deixar o sofá, me esquivei para o lado jogando o braço direito sobre a altura do meu ombro em direção ao interruptor de luz. Sem hesitar, liguei a luz da garagem na intenção de intimidar a conhecida mulher que em estado ansiogênico balançava o portão tentando de toda maneira invadir a parte externa da residência. Mesmo sabendo que haviam pessoas na casa ela insistia e se tornava ainda mais violenta no seu objetivo. Resolvi gritar para que parasse, para mostrar que observava sua ação, que podia enfrenta-la caso invadisse. Mesmo com meu alerta ela se manteve obstinada, naquele momento a um passo de conseguir entrar. Disse que ia chamar a polícia e me retirei do sofá em direção não ao telefone, mas ao corredor que ligava a sala à cozinha, e no meio do caminho uma porta que dava ao quarto de meu pai. Ele dormia sozinho quando o chamei. Acordou assustado, como se estivesse pronto para o combate. Relatei o fato que me levara até ali e pedi para que pegasse sua arma na intenção de alvejar aquela mulher. Ele não pegou a arma, mas levantou e foi até a sala. Em uma frase rude dita pelo meu pai, a mulher sibilou, arregalou os olhos e correu rápido em direção ao carro. O motorista rapidamente pôs o carro em movimento e na fuga dispararam sem emitir um único som. Meu pai volta tranquilamente para seu quarto. Disse que eu não me preocupasse se ela voltasse, pois o carro estava coberto pelo seguro. Começou a falar de carros e a inflação crescente a cada mês. Contou o caso de uma conhecida que comprou um carro em um mês por 190 mil e no outro mês quando precisou trocá-lo ele já valia 210 mil.
Ele voltou a deitar e eu fiquei espiando pela janela da frente, imaginando que eles voltariam, devaneando. Pensei em pegar a arma e atirar caso voltassem. Em um desses devaneios, ameaço atirar na mulher e ela me desafia, duvida que eu vá ter coragem de matá-la. Então eu atiro. Estava preparado para efetivar isso. Pôr em prática. De fato, me sentia pronto. Não porque me importasse realmente com o carro. Mas eu tinha uma boa razão, eu teria uma justificativa razoável se o fizesse. Nada poderia me impedir. Nada pessoal com aquela mulher, no fundo até sentia um pouco de piedade, ela só estava tentando no dia errado. Aquela mulher era alguém que devia ter uma boa razão para invadir, e a bala que atravessaria seu corpo seria somente um encontro funesto, fortuito. E momentos de infortúnio acontecem. O tempo inteiro.
Eles passam mais algumas vezes na frente de casa, rapidamente, como uma munição em movimento, sem parar e sem atingir um alvo. E tudo que eu desejava era isso. Eu verdadeiramente estava pronto para atirar.

Então eu abri meus olhos e despertei.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Explosão

Por Fábio Dal Molin


    Eu vi um sonho assim:

   Um homem mau, assassino, estuprador e violento está à solta e eu e um grupo de homens planejamos capturá-lo. Estamos na beira de alguma estrada arquitetando o plano em cima de uma mesa enquanto carros e caminhões transitam e o barulho é ensurdecedor. A armadilha para pegar o vilão é colocá-lo em um envelope onde está uma mulher nua dentro que seria usada de isca. Eu entro em desespero quando penso no absurdo que seria isso, submeter uma pessoa ao risco de ser violentada e nesse mesmo instante todos ficamos em alerta: o monstro chegou.
   O envelope está em cima da mesa de sinuca verde e vemos o homem entrar ali. Subitamente o envelope se transforma em um carro e ele foge em alta velocidade. Fico aliviado em saber que não é uma mulher que está dentro dele.
   Eu e meu colega Lucas Neiva partimos em perseguição e entramos no carro como se fôssemos intangíveis, iguais aos gêmeos albinos do filme “Matrix Reloaded”. Entramos no carro e sentamos no banco de trás. Nossas mãos agarram a cabeça do vilão perfurando os olhos, arranhando a pele como a cena da série Game of Thrones quando o Montanha mata a víbora. O homem grita e arrancamos a cabeça dele, que explode e espalha sangue e miolos por todo o carro.

   Então eu abri meus olhos e despertei.

Sonho 2

Por Carolina Peixoto

Eu vi um sonho assim:

   A família inteira estava reunida para uma festa. Muitas pessoas, devia ser umas cem. Elas tinham rostos desconhecidos para mim, mas eu sabia que eram meus familiares. Estávamos reunidos em uma luxuosa propriedade no campo. A casa onde o almoço estava sendo preparado era digna de um barão do café. A fachada, num rosa muito claro, exibia inúmeras janelas iguais lado a lado que cercavam uma enorme porta no alto de uma escadaria. O laranja das telhas coloniais fazia um contraste lindo entre o céu bem azul daquele dia, o rosa da fachada e o verde do gramado. Era um vasto espaço de campo que circundava a casa. As pessoas estavam todas espalhadas, felizes. Havia muito movimento e o clima era muito festivo.
   Mas eu estava preocupada. Uma coisa me deixava inquieta. O gramado em frente à casa acabava em um declive perigoso e alto, cheio de pedras no caminho. Lá embaixo, a grama continuava mais um pouco até chegar no rio. As crianças subiam e desciam o declive correndo. De repente, uma das tias chegou. Uma menina magrinha e serelepe veio correndo lá de baixo com uma agilidade impossível para qualquer ser humano. Ela vinha anunciar a chegada. Mas no último passo ela errou, perdeu o chão e caiu. O corpo dela bateu três vezes nas pedras antes de ficar estirado lá embaixo. Quando caiu, era como uma boneca de pano toda solta. Enquanto caía o silêncio profundo se fez. E continuou. Todos sabiam que ela estava morta. Eu fiquei parada de pé em choque. Queria chorar, mas o pranto não saía. De repente, as pessoas começaram a desmaiar. Uma a uma caíam feito sacos de batatas no chão. Todas. Só eu fiquei de pé. Virei para o lado e vi um garçom que me abordava oferecendo uma enorme bandeja de doces finos. Olhei para ele incrédula, ainda com o pranto engasgado. Então ele me disse: temos que servir os doces, moça. Afinal eles já estão comprados mesmo...

   Então eu abri meus olhos e despertei.

Mercado das curas

Por Débora King

Eu vi um sonho assim:

Assistia televisão numa sala que eu sabia ser minha, embora não parecesse com a minha sala. Era um aparelho antigo, daqueles que tinham pezinhos de metal e um botão giratório... a imagem, em escala de cinza, parecia azulada e eu, sentada em uma poltrona daquelas que parecem nos engolir, tão baixas e tão fundas que são, assistia a qualquer coisa aleatória que não saberia definir quando desperta.
Eis que um comercial me atrai a atenção...
“Você procura a correção de suas cicatrizes? Nós sabemos como...”
E no background da fala corriam imagens de pessoas que entravam em uma casa comum, com rostos de desânimo, fazendo jus a um estereótipo de insatisfação ao que seguia a fala enquanto pessoas entravam em uma fila que não se definia curta ou longa, visto que a tela era limitada em tamanho
“Aqui trabalhamos com cura de feridas novas ou velhas, chagas e cicatrizes...
E a fala ganha o rosto de uma mulher muito bonita, sem maquiagem, apenas um delineador preto nos olhos, que caminha entre as pessoas dentro de uma cozinha, mostrando os clientes de tal prestação de serviço e ela determina que “... somos pioneiros neste método de tratamento, cuja eficácia ainda há de ser comprovada, mas quem precisa de comprovação se vemos nossos clientes satisfeitos ao fim do processo?”.
Dito isto a câmera muda o foco e eu estou às portas cozinha vendo pessoas saindo felizes, sustentando o estereótipo de quem passou por algo que lhes transformou. Me questiono onde, em algum momento passado, podem ter estado as marcas destas pessoas, mas sou incapaz de ver qualquer coisa.
Há um cheiro estranho no ar, um ar pútrido misturado ao cheiro de algo queimando, mas nada capaz de me fazer vomitar, eu estou dentro de um comercial, afinal de contas. Decido entrar na cozinha, preciso entender que processo é esse, eu não sou vista, porque quem vê sou eu, a expectadora, então qual o problema?
Na bancada da cozinha, a moça que apresenta a propaganda está trabalhando em um rapaz de uns 18, 19 anos que está deitado na tal bancada. Ela coloca coisas sobre o peito dele que eu não consigo enxergar, porque as pessoas se amontoam naquela cozinha que parece saída de um filme estadunidense. E ela coloca muitas coisas, abre armários, fecha armários, se move continuamente, e a única coisa que percebo é que a camisa de botões do menino está aberta e existe um tecido ali.
Será que ela abriu ele e está “recheando”?
Ao fim, ela ordena que ele se levante, e posso ver claramente que ela fechou os botões da camisa por cima do que ela amontoou, recheou, não sei definir, mas há algo de amarrotado entre o peito dele e a camisa, e ele segura o “peito recheado” aguardando a próxima etapa.
Ela acende as duas bocas do fogão, as do lado direito, e pede que ele se curve sobre elas, ao que o rapaz prontamente obedece e dobra-se, deitando o peito cheio de coisas e o rosto virado sobre as chamas. A mulher bate as mãos, exclamando “Prontinho!” e chama o próximo, uma criança que não chega aos 8 anos, vestindo uma camisa bege e um casaco de pelo em xadrez bege também, que expressão sofrida a deste menino tão cheio de sardas...
Estou de volta ao sofá e a imagem do primeiro rapaz com o rosto quase queimando sobre as chamas do fogão ainda me assombra... que “cura” é esta? Que retirada de cicatrizes é esta que causa queimaduras no rosto - mas não nas roupas - e o trauma de um método tétrico?
 O comercial não acabou, as pessoas saem da casa, as mesmas que eram tristes, saem com semblantes de tranquilidade. Que estereótipos bizarros a indústria do marketing nos faz engolir, penso eu, quando a câmera foca no menino, aquele menino tão pequeno que eu vi subindo na bancada usando as gavetas como escada.
“Assim eu vou deixar de ser lembrado pelo assassinato do meu pai”, relata o menino e no rosto transparece a sombra de uma queimadura que abre caminho no couro cabeludo, simulando entradas no cabelo. Não existem cicatrizes no menino, mas agora ele não mais é menino, não com essas entradas no cabelo... ele é um homem maduro preso em um corpo infantil e só se reconhece o menino pelas roupas em tons de bege.
Novamente eu estou no cenário que me parece escatológico, mas estão fechando. A garota-propaganda-cirurgiã do estabelecimento pirata está trancando uma porta maior do que a que fora exibida na propaganda. Talvez parecesse maior por agora estar fechadas, portas abertas não parecem ter tamanhos.
Gritos invadem a rua, uma mulher correndo de outro quarteirão, clamando socorro por não ser atendida via Whatsapp para agendar horário, e sendo ignorada pela dona do empreendimento que somente sacode os cabelos e se queixa dos fãs. Sobe em uma Brasília bege e eu fico ali, vendo a mulher berrar a plenos pulmões que alguém precisava tirar dela a cicatriz do suicídio.

Então eu abri meus olhos e despertei.


sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Tanatomorfose

Por Fábio Dal Molin

Eu vi um sonho assim

  Estou morto, e isso parece absurdo. Eu circulo em meio a pessoas, meu corpo alça vôo, dou piruetas no ar e vou parar no alto de um arranha-céu. Começo a chorar compulsivamente pensando na ideia de minha morte, e vislumbro minha mãe chorando.
Sinto a tristeza de minha própria morte como se estivesse mergulhado em um imenso rio de ressentimento  e meu corpo sobrevoa as encostas de uma serra íngreme e vertiginosa, e então mergulho nas águas barrentas do rio, onde tudo é silencioso, frio marrom e turbulento, o barulho da água é insuportável e não consigo nadar, eu grito e minha voz  sai afogada.
  Eu subo à superfície e submerjo enquanto  engulo grandes quantidades de água, meu corpo se dissolve em bolhas, plantas aquáticas e criaturas apavorantes que surgem no meu pensamento.
Eu sou todo medo.
  No instante seguinte estou voando e nas curvas do rio vislumbro cobras  se retorcendo na lama e milhares de aranhas entram no meu cabelo  e na minha boca. Saio voando em espiral descontrolada no meio das árvores  e me debatendo nos galhos. Estou sonhando, agora sei, quero acordar QUERO ACORDAR.
  Em seguida chego  a um velório, onde novamente vejo minha mãe aos prantos e eu novamente estou chorando pois penso que sou eu o cadáver no caixão, mas tudo de repente vira uma festa e meu corpo dispara como um foguete em direção ao espaço.
Eu mergulho no sol onde é tudo frio e vácuo.

   Então eu abri meus olhos e despertei.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Eu, em partes

Por Jesline Cantos

Eu vi um sonho assim:

Eu estou inquieta com a tatuagem inacabada no meu corpo, o incômodo levava a uma pressão na tatuadora para acabar o trabalho, aquele Leão nas costas tinha falta de uma parte do rosto e de alguma cor. De repente, a tatuadora começa a tatuar, mas agora no meu rosto. Não há dor, mas há náusea, ela pincela minha face como se estivesse criando um quadro, daquela primeira sensação, vou à confusão e à invasão.
Por que uma tatuagem no rosto? Eu sou essa que a pedi antes? Por que me desrespeita essa ação? A imagem congela. É como se eu fosse a tela de um cinema, mais especificamente o meu rosto, e atrás desse crânio tem uma imagem. Dessa imagem estática surge uma cena. Uma família está rodeada de Leões, eu não sou mais agente da ação, contudo estou presente enquanto alguém que vê, mas que faz isso sem um corpo e que ouve: essa imagem é um arquétipo.
Aquelas pessoas começavam a tentar uma defesa, meu choque é quase indiferente, percebo que não posso fazer nada, pois eu sou o próprio ambiente, ainda assim, tento medir a real possibilidade daquelas pessoas. Na defesa, eles conseguem derrotar seis leões, mas aquele único, o sétimo e último derrota todos eles e estraçalha aquela família inteira.
Apenas vejo, mas não sei mais onde estou, o sangue é escondido para mim, só sei que alguém perdeu, toda a família. Algo no meu íntimo entende que aquela cena toda diz imageticamente algo sobre a vaidade. O que? Talvez eu precise de tempo do relógio para atravessar a ponte dessa compreensão. E logo eu começo a cair, mais e mais até que, outro lugar se faz diante de mim. Um concurso.
Por que eu participo de uma competição quando sei que elas só servem para deslegitimar o lugar do outro e o meu dentro da nossa relação? Contudo, eu não sei de nada, aquela ação é maior do que eu. É um concurso de movimentos no trapézio, é a minha vez. Mas eu não me lembro de movimento nenhum. Todos os presentes me olham e esperam - e eu odeio competições.
Começo um movimento, contudo, não sei mais como desenvolver aquilo. Eu pergunto para os concorrentes como se faz aquele movimento, o diálogo acontece, mas nada de meu corpo responder. Onde que eu faço meu corpo entender que o raciocínio de cabeça para baixo não serve para nada? Por que a mente quer me convencer de algo? E por que ela segue? Por quê? Por quê? Volto a tentar agir. Contudo, a ação está emperrada.
 Lembro-me de uma carta de ódio que recebi a qual rasguei e pus fogo em toda ela. Agora tenho alguma compreensão que as cinzas dessa carta queimam a minha vida. Já não estou mais lá, tento abraçar uma pessoa querida e ela me diz que não pode me abraçar agora, eu a puxo e enquanto tento abraça-la com afeto ela está ocupada olhando para o lado. Ela olha para uma pessoa que tem a cabeça costurada. Os médicos conversam:
- Você viu que da última vez quem costurou fez errado e agora tem uma cicatriz?
Eu quero abraçá-la, não me importo com a cabeça que é costurada, ela, no entanto, só se importa com isso, tanto que não me olha em nenhum momento. Ela sai e diz que não pode me dar o abraço naquele momento e que podemos fazer isso outra hora.

Então eu abri meus olhos e despertei.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O unico amor

Por Laura Silva

Eu vi um sonho assim


Em uma noite, após prazeres dionisíacos, encontro-me a sonhar. Deixo o meu corvo da janela, aquele dos desejos incubados e das fantasias juvenis não vividas, adentrar naquilo que há de mais profundo em mim: a força vital da ilusão.
No meu sonho estou em uma janela, a fumar um cigarro, hábito pelo qual nunca tive aspiração e, num piscar de olhos, lembro ter esquecido algo. É perturbadora a sensação, visto que forço a memória e não consigo recordar o que hei de ter esquecido. Sinto um ímpeto forte que me manda sair a caminhar. Então, abro o guarda- roupa e pego o primeiro moletom surrado que vejo a minha frente. Saio de casa como um criminoso foge da cena do delito.
Andando pela rua, a cada prédio que passo do exuberante Centro Histórico da capital gaúcha, sinto evocar em mim imagens de um adolescência difícil e conflitiva. Por mais estranho que possa parecer, nenhum dos sofrimentos tomam conta do meu ser. Pelo contrário, apenas consigo revisitar aqueles momentos nos quais fui feliz. Como se todas as minhas feridas tivessem sido lambidas e devidamente curadas. Quero acreditar nisso, entretanto, entendo que, por motivos de sobrevivência, todas aquelas lembranças traumáticas foram apagadas de minha consciência e pairavam em algum espaço de meu inconsciente, fazendo-me sentir um extremo incômodo.
Após esse instante, percebo o porque de eu ter saído a caminhar: havia algo que, no meio de tanta multidão, eu precisava encontrar. Uma parte de mim arrancada precocemente. Nesse momento, passo em frente a um prédio de arquitetura moderna, o Arquivo Central. Olho-me na sua parede em forma de espelho e vejo o moletom que estou a vestir. Trata-se do moletom da minha turma do Ensino Médio. Começo a sentir então um cheiro a misto-quente queimado. Era o que eu sempre comia na pressa antes de ir para aula. O que a escolha daquele moletom e não a de outro do armário, igualmente batido, queria dizer sobre aquele estado de espírito ? O que aquele cheiro de misto-quente pretendia relembrar ?
Na procura de tantas respostas, decido tomar um café. O sono já falava mais alto que a pulsão. No entanto, aquela busca há de continuar. Decido ir à Casa de Cultura Mário Quintana tomar um café caro, em um ambiente calmo, que me permita maiores devaneios.
Ao chegar lá, uma mensagem dizia que o elevador estava estragado. Subo as escadas, degrau por degrau, meu batimento vai acelerando-se e torno-me a chorar compulsivamente. Ainda não sei o por quê aquilo incomoda-me cada vez mais. Chego então ao quarto andar e paro de querer subir. Ali há uma obra futurista de um homem esculpido por instrumentos de sopro.
Eureca! Agora eu sabia por que estava ali a chorar, em uma melancolia e tristeza profunda. O homem dos instrumentos de sopros era na verdade Matheus, meu primeiro amor. O trompetista que com o som da sua música e de suas palavras, cheias de encantos vazios, conquistou meu coração no último ano do colegial. Ali remontava-se uma lembrança e, também, a minha primeira ilusão... Foi no quarto andar daquele prédio que tomei o meu primeiro pé na bunda de um alguém que eu era apaixonada.
Desde aquele dia, nunca mais acreditei em contos de fadas, em príncipes de trompetes ou de belas músicas de ilusão. Acabou-se ali... Mas, também, foi a epistemologia de um novo amor: o próprio- o único que consigo cultivar desde aquele dia.



Então eu abri meus olhos e despertei.

Terror subterrâneo


Por Davi Masi

Eu vi um sonho assim:



Aterrorizante, um dos mais desconfortáveis que já vi. Tinha uma trilha sonora de filme de terror que preenchia o ambiente, o som de um violino de arrepiar, durante todo o sonho. Eu era espectador, também existia no sonho - as pessoas podiam me ver, embora não fosse ativo nas cenas.

Tudo foi confuso, minha memória tem a história fragmentada, por algum motivo.
Na primeira cena, havia uma conversa de um grupo de pessoas em uma sala subterrânea. O local era predominantemente branco e as pessoas vestiam roupas claras. Havia uma menina com aparência de asiática, com blusa e saia brancas com alguns detalhes em cores suaves. De repente, em meio a conversa, ela toma um par de hashis nas mãos e crava eles no fígado do homem com quem dialogava, atacando-o diversas vezes no mesmo lugar. Ele cai para trás com os hashis cravados e sangue escorrendo. E eu permaneço olhando estarrecido, sem conseguir dizer palavra alguma. Assim se encerra esta cena.
De repente, me vi em uma estação de metrô. Muito pequena, rústica, com paredes ainda de pedra. Ali havia um grupo de homens jovens que conversava na plataforma, perto de onde o trem parava. De repente, um deles começa a discutir e começa uma briga. Então minha visão da cena começa a falhar, de modo que posso ser uma pessoa no grupo, outras vezes vejo a cena como um filme ou então pelos olhos do agressor.
O homem agredido cai nos trilhos inconsciente. Está ferido na cabeça. A intenção do homem que o agrediu não era matá-lo. Próximo do homem caído há uma alavanca que é capaz de impedir que o trem chegue e o atropele, mas ninguém quis arriscar a vida atravessando os trilhos por medo de não conseguir puxar a alavanca a tempo.
O trem chega, vagarosamente. Neste momento vejo a cena como um filme. O trem passa por cima de parte de sua cabeça a esmagando, mas estranhamente não a destrói por completo, o rosto fica intacto. Vi essa parte em loop. Tentei sair do sonho, vi meu quarto mas minha mente não desligava do sonho e voltei. Foi aí que vi a cena pelos olhos do agressor, que olhou nos olhos do cadáver. Os olhos do morto se abriram e olharam fitos de volta. Minha visão deu um zoom no rosto dele. Eu tentava sair do sonho e não conseguia, mesmo vendo meu quarto permanecia ouvindo a trilha sonora aterrorizante. Era como se o cadáver contasse vitória e fosse se vingar, eu via os olhos dele olhando fixamente nos meus.

Então eu abri meus olhos e despertei.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Abandono


Por Marisol Maiche Duarte

Eu vi um sonho assim:

Eu tinha entre 25 e 28 anos quando sonhei este sonho. O tempo do sonho era outro, não sei precisar em que século especificamente eu estava. Pelo cenário rústico, deduzo que talvez estivesse em meados do século XV. Não me parecia ser no Brasil este sonho sonhado. Minha casa era bem alta e feita de enormes pedras quadradas.  Havia pouca mobília nela. O piso disforme era feito de uma areia muito escura e endurecida. Eu estava chegando à casa. Entrei por uma enorme porta, não sei dizer se era sala ou cozinha. Avistei no canto um homem que calçava botas de cano longo, calças em tom pastel bastante sujas e camisa cinza desabotoada. Me parecia embriagado e inconsciente.
Neste mesmo ambiente uns seis meninos pediam por atenção. O menor deles aparentava uns três anos de idade e mais velho uns doze anos. Estavam mal trapilhos e aparentavam estar necessitando de cuidados. Eu era uma pessoa triste. Decidi que iria embora.  Neste instante senti ao mesmo tempo uma tristeza e alívio enormes.
Eu me vi de costas andando por uma rua muito estreita cercada por outras casas semelhantes a minha. Eu era alta, muito magra (esguia), morena e meus longos cabelos castanhos estavam presos por um grande e lindo coque bem no alto da cabeça. Eu vestia uma blusa branca de mangas longas e punhos largos e uma longa saia marrom clara que caía sobre minhas pernas. Não olhei para trás, apenas segui em frente com o sentimento de ter abandonado a todos.

     Então eu abri meus olhos e despertei.

A ascensão da lua vermelha




Por Fábio Dal Molin

Eu vi um sonho assim

De repente o mundo ficou em silêncio, mas não de ausência de ruído, um silêncio tangível. Estou abraçado em meus joelhos e a água recobre a superfície de meu corpo, as costas encurvadas, os olhos apertados, os músculos retesados. Mergulhado em um imenso tanque de mais de três metros de profundidade, reconheço a piscina de meu vizinho onde aprendi a nadar.
Agora sou algum eu atual e ao mesmo tempo tenho quatro anos de idade e me esforço para não engolir água enquanto meus braços e pernas se debatem e sou tomado  por um repuxo que eleva ao céu toda a água da piscina que começa a flutuar no espaço.
Tenho agora 8 anos e estou mergulhado na escuridão, correndo desesperadamente de medo. Sinto que estou submerso em um oceano de medo que faz meus ossos tremerem.
Não percebi a transição entre o oceano de medo para a escuridão e da escuridão para o pátio frontal da casa do meu vizinho onde eu corria assustado em meio as árvores.
Uma voz sussurrou "a lua explodiu". Agora meu corpo paira por cima das árvores e vejo a lua explodir em um cogumelo nuclear vermelho, pensamentos obsessivos e lúgubres me invadem.Como será nossa vida sem a lua, não teremos mais gravidade? A lua colidirá com a Terra? Pensei em todas as pessoas mortas, em dor e desespero.
Pensei na minha morte,  em como serei sugado para o vácuo da inexistência e da ausência do pensamento.
Como seria não pensar?  E se a morte não existir?
A lua está vermelha e em chamas e eu estou caindo, caindo caindo caindo caindo e chorando de pavor.

Eu quero acordar... Quero acordar.. eu vou morrer....

Então eu abri meus olhos e despertei.

sábado, 11 de agosto de 2018

Adaga


Por Davi Masi

Eu vi um sonho assim:

Era o dia do aniversário de minha esposa. Mas eu não estava em casa. Aliás, estava a muitos quilômetros de distância.

Sonhei com o Homem-Aranha... Na verdade eram dois. Um era o vilão. E este tentávamos matar – eu e o Homem-Aranha do bem. Estávamos em um local aberto. Era dia, mas o céu era branco e sem profundidade ou foco, parecendo totalmente coberto por uma nuvem estranha.
Repentinamente o Homem-Aranha do bem não existia mais e eu matava o Homem-Aranha que restou. Eu usava uma adaga. Mas ele lançou teias que não deixavam eu cravar a adaga no seu peito... Nesse momento a adaga passou a se movimentar magicamente, de modo que ela penetrava sua carne causando muita dor... Lembro de encostar a mão na roupa dele e sentir a textura do tecido. Era liso e frio como seda.
Então, cravei a adaga no seu coração e ao lado do abdômen.
- Aaaargh! – Ele agonizava, inclinando a cabeça para trás. Não vi sua morte, apenas o sofrimento.
Logo o cenário mudou.
De repente eu estava na casa dos meus pais, no meu antigo quarto que dividia com meu irmão. Eram as mesmas cores daquela época, a casa era igual. O quarto era azul celeste, mas estranhamente pálido e envelhecido.
Eu estava sentado na cama com meu filho nos braços e a adaga na mão. No sonho eu tinha uma certeza de que deveria matar ele por algum motivo que eu não sabia.
Consegui então ser frio o suficiente para fazer isso. Eu não chorava nesse primeiro momento, pois no sonho aquilo tinha uma razão, eu sabia ser necessário. Porém, a dor dele estava ligada à minha. Toda a dor que eu causava eu sentia juntamente com ele.
Segurando meu filho tomei a adaga com a mão direita, golpeei o peito dele e ele gritou. A dor da lâmina entrando por suas costelas se somou à tristeza no olhar e ao clima inexplicável que tomou o ambiente... Ele não morreu e não saiu sangue com esse primeiro golpe. Depois eu cravei a adaga mais uma vez, só que em um local mais abaixo nas costelas, mas ele só agonizava em dor e não morria...
Então cravei diretamente no coração, mas mesmo assim ele não morria... Porém, parou de sofrer tanto e gemia bem baixinho... Ele ficou bem quietinho, como se estivesse quase dormindo. Me remetendo às tantas vezes que o fiz dormir quando bebê, ou quando conseguia de alguma forma aliviar alguma dor que estivesse sofrendo. Foi esse o olhar, de alívio, com os olhos quase fechando. E eu, com lágrimas nos olhos e a tristeza mais profunda que um homem poderia sentir...

Então eu abri meus olhos e despertei.


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

De partida


Por Jéssica Cantos

Eu vi um sonho assim:
            
   Era uma noite fria de inverno, eu devia ter uns oito anos de idade na ocasião. Estávamos eu e meu pai caminhando apressados e ofegantes pela rua de um lugar que não consigo definir, diferente de todos os lugares onde já estive. Era um ambiente sombrio, não havia nenhuma pessoa na rua além de nós dois. Além da iluminação da rua ser pouca, havia um nevoeiro que não permitia enxergar muitas coisas. Percebo que cada um de nós carregava na mão uma pequena mala.
   Começo a questioná-lo para onde estávamos indo, onde estava a mãe, porque ela não estava indo com a gente. Ele foge das minhas perguntas, parece não querer responder, fala poucas coisas. Em um instante apenas diz que quando chegássemos lá eu compreenderia e que devia continuar sendo uma menina forte.
  Um medo muito grande me invade por inteira, as lágrimas começam a inundar meu rosto, enxugo rápido para que ele não perceba. Nós seguimos caminhando apressadamente e de mãos dadas. Começo a pensar que se estamos com malas poderia ser uma viagem, imagino que uma viagem não pode ser tão ruim assim, e que não teria motivo para sentir esse medo todo. Além do mais, era o pai que estava comigo, ele não me levaria para um lugar que não fosse bom, não é mesmo?! Não sentia muita certeza do que refletia. Ainda pairava no ar um mistério e certo tom de tristeza.
   Seguindo a caminhada que parece infinita, já com dor nas pernas finalmente chegamos numa estação de trem. Era uma linda estação de trem daquelas de filme antigo, mas parecia bem mal assombrada porque estava completamente vazia. Ficamos ali por um breve instante até a chegada de um trem. 
   O trem chega, para na estação e quando abre a porta vejo a figura de minha mãe já dentro do trem com uma mala ao seu lado no chão. Nós nos olhamos e sorrimos, senti um pouco de alegria por breves segundos, até que o pai me olha nos olhos, me beija na testa e se despede dizendo que essa viagem é só para eles, que ainda sou muito jovem para fazê-la. Ele sobe no trem que parte rapidamente, não tenho tempo de dizer mais nada e o trem some num enorme clarão que parece conduzir para outra dimensão. Sento-me sobre a mala que carregava e choro desesperadamente me perguntando o que faria a partir de então...

   Então eu abri meus olhos e despertei.