sexta-feira, 29 de maio de 2020

Cinzas

                                                                     Por Simone de Paula

Eu vi um sonho assim....
'Uma pedra deslizava pelo mar. Eu estava deitada sobre meu quadril, apoiando o rosto na mão. Ele, meu analista, estava sentado atrás de mim, apoiado sobre os cotovelos. Pedra cinza, céu nublado,  mar grafite. Nada tinha colorido, mas tinha a beleza da monocromia entre o branco e o preto. Quanto mais baixo, mais obscuro, quanto mais elevado, mais suave. O ar claro, a água escura. Entre eles, a pedra cinzenta, mesclando o lá e o cá. 
Enquanto conversávamos, a pedra deslizava pelo mar, seguia o fluxo. Devia existir alguma corrente marítima além da brisa. O dia pedia uma garoa, mas não chovia. Navegavam. 
Eu falava, dizia coisas que nem sei dizer o que era. Um sem fim de pensamentos projetados pela voz aguda e melodiosa. Ele ouvia, atento, mas apreciando aquele cenário natural. Quando desejou, me perguntou algo, interrompendo o fluxo de pensamentos tagarela, que é tão comum em mim. Não entendi: o vento soprava forte, tinha uma distância entre nós e o tom baixo e grave da voz dele, tudo me impedia de saber exatamente o que ele perguntava. Ele repetiu, eu não ouvi, desistimos. Isso me levou a olhar melhor a tal paisagem, os olhos calaram os pensamentos e a voz, o silêncio se instalou. 
Um tempo se deu. Muito? Pouco? Não se sabe. Resolvi olhar para o lado, vê-lo. Mas ele já não estava mais lá. Nem ele, nem a parte da pedra onde ele estava sentado. Pensei que se ele me convidou para estar ali, ele devia saber para onde seguíamos. Mas a pedra seguia independente e eu não senti nenhuma espécie de ansiedade. Aproveitei e permaneci admirando aquilo tudo, sentindo a brisa fria e a impressão imparcial da água. De repente a pedra colidiu com outra pedra. Resolvi parar num dado momento, parecia uma espécie de porto. Me ergui na pedra, parada, como que ancorada, e esperei pela chegada dele. Me apoiei em uma outra pedra, tipo um pier, era firme, fixa, ligada a outras. Ali tinham mais pedras, grandes, era um continente. Poucas pessoas sentadas, esperando, eu em pé, na pedra firme, segurando a pedra solta, em que eu vinha navegando. Olhei para o mar e vi uma outra rocha grande, essa também deslizava. 
Ri. Tudo era muito curioso, as pedras eram embarcações e as pessoas andavam pela água, subiam e desciam e não parecia que o mar fosse um impedimento para embarcarem. Nessa hora percebi que ele estava lá, ao lado das pessoas que esperam, sentado, olhando apreensivo. À espera também, mas de mim. Soltei a pedra, que agora tinha uma gramínea verde em seu topo. Fui até ele. Ele me olhou e seu rosto refletiu alívio, mas não disse nada.Pensei: ele é assim, finge indiferença. Saímos juntos dali, agora caminhando pelas pedras.'
... então eu abri meus olhos e despertei.

Produzido em  17/04/2020

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