sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Persiana

                                                                                                      Por Ju Blasina

Eu vi um sonho assim

sonhei que estava presa à condição de cortina. de juliana à persiana de escritório, daquelas verticais, feitas de bandas acrílicas e correntes finas (azul. igual a que cobria a janela imensa do meu quarto no apartamento em que vivíamos quando Dimi nasceu). o sonho envolvia um botão secreto levianamente acionado por minha eu-humana num elevador de serviço. depois um tempo incontável passado na condição estática de cortina. duas horas, trinta anos. então me desmontam empoeirada e me levam para a manutenção. e lá estou eu-cortina deitada no ombro de um homem de uniforme branco, no mesmo elevador de antes. alcanço o painel de controle com minha visão leitosa (eu diria embaçada, mas veio a palavra leitosa no pensamento-sonho pra descrever a visão que eu tinha). o esforço e a agonia de tentar mover a matéria inorgânica do meu corpo coisificado, uma banda de tecido se erguendo um milímetro, eu sei, mas não sinto, feito um braço quando se dorme muito tempo por cima e se move, um pedaço de tecido mole, morto, erguido num movimento lerdo, sem precisão. minha consciência inteira concentrada na missão de erguer um pedaço de corpo-tecido, tocar com ele o botão certo, um que me devolva à condição humana. uma banda de cortina tomando distância do homem que me carrega, puxando consigo outras bandas a que se atrela. a cena se passa no espelho do elevador, o homem de costas não percebe nada. estou quase lá, quase lá, quando ouço o apito 'plim' e a porta se abre no térreo.

Então eu abri meus olhos e despertei

Um comentário:

  1. Meu maior desafio: me permitir estar em condição cortina. Belíssimo texto colega!!!!

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