Eu vi um sonho assim:
Os jovens estavam na
esquina. Um pé na parede, formando um quatro. Esse não era o meu
bairro. Eu não morava aqui. Minhas coisas estavam na casa de um
amigo, naquele prédio. Tentei manter minha distância, enquanto eles
baforavam seus cigarros e se mantinham em silêncio. Ninguém de
máscara;só eu, aflito. Era noite.
Quase perto da porta,
sinto a presença de alguém atrás de mim. Me seguiram todo esse
tempo? Era Alexandre, alguém que há muito, muito tempo, não via.
Ele ainda tinha aquela cara sinistra d’o coringa. Aquele sorriso
perversamente irônico. Eu não esperava vê-lo aqui. Não sei se ele
me reconheceu, mas íamos ao mesmo lugar. Ele tocou nas grades pretas
com seus dedos finos quase como esqueletos, portão aberto. Dois
porteiros na guarita, um no telefone, digo “boa noite”, mas
ninguém responde. Parecem todos envoltos nessa mística do “isso
não está acontecendo de verdade”. Ou talvez o trabalho extra de
acalmar as senhoras perguntando insistentemente pelo interfone se o
almoço do restaurante do chef premiado encomendado pelo aplicativo
já tinha chegado. Ninguém de máscara.
Eu
sigo pelo saguão,
pego um elevador que me leva para uma escada rolante que me leva para
outro andar que me leva para o estacionamento superior. me perdi
nessas ruelas internas, encontro carros assustadores na penumbra.
Como voltar? Pelo elevador de vidro? Me encontro no segundo andar, o
corredor escuro, as portas de apartamento dispostas entre dois ou
três octógonos. Tudo escuro, como vou saber onde estou? Algumas
portas estão abertas, dá para ver as cozinhas com suas decorações
datadas dos anos 1970, batedeiras manuais bojudas e amareladas e
armários de madeira maciça. Mas só a cozinha está disponível
para visitação. O elo mais fraco? ou o mais forte? Divago. Acho que
vi alguém, uma sombra passando. Mas, a tempo, encontro a porta de
onde me hospedo.
Algum tempo deve ter
passado. Não encontrei ninguém? Sei que sigo para o banheiro, esse
também sem muita iluminação. faltou energia no bairro ou meus
olhos que estão com astigmatismo intensificado? Me sinto num filme
noir, mais mórbido, um filme b (?), fora de época. Será se?
Na manhã seguinte,
desço pelo mesmo saguão, que agora tem cadeiras de vime e mesas
dispostas com toalhas brancas. Parece um café da manhã de hotel,
mas aqui não é um hotel. Sem muito me preocupar, saio à rua, não
sei por que motivo. O importante é que retorno e a cena permanece.
Mas dessa vez vejo minha família sentada em uma das mesas. Um olhar
de confrontação é inevitável. O que vocês fazem aqui? Justo
aqui? Nesse espaço alienado? vocês não lêem jornal? penso,
esbravejo internamente, mas não falo. deixo Os olhos falarem.
Ninguém me convida, também; fico evidentemente como um elemento
estranho. Até que alguém, a anfitriã evidencia minha posição,
minha presença.
Nesse tempo, olhava
para o prato. Pedaços de melancia em cubos perfeitos, sem nenhuma
semente, nem sequer as brancas. Microfolhas verdes e um xarope
enfeitam o prato branco pristino. Guardanapos de pano, garfo e faca
prateados.
Evidenciado, a
anfitriã questiona minha presença, se não gostei do prato, se
tenho algo contra. Quem sou eu, com olhares julgadores para esse
estilo de vida, para esse luxo, para esse bem-viver necessário para
aquelas senhoras fechadas em seus castelos de vidro que tanto sofrem?
Ironizo. Faço um discurso, critico a melancia gourmet. Ela se
ofende. Todas pessoas ali presentes se ofendem. Se ofendem pela
evidenciação; da mesma forma que eu fui evidenciado, evidencio.
Mas o tom de
desaprovação não é geral. Uma pessoa me aplaude, concorda comigo.
É a mãe do meu amigo, que também ali mora, mas pelo menos tem
consciência (?). Apesar, um sentimento de evasão necessária toma
conta de mim. A vergonha de minha família querer, ali, se juntar?
Acho que é mais profundo. Vergonha de circular no mesmo grupo? Não
sei exatamente. Só tenho a frase “vou-me embora” estampada na
mente. recolho minhas coisas numa sacola preta retangular, um ovo de
páscoa não entregue na data, e a cara de um namorado emburrado no
canto. Não vale a pena entregar aqui, não agora.
Busco meu gato preto,
mas ele vê um rato, uma ratazana talvez, com cerca de 20 centímetros
ou mais. O labirinto do gato-caça-rato se torna real e meu gato
escapa da minha busca, o rato corre ao redor, ninguém parece se
importar com sua presença. É natural ou ignoram? Como podem se
incomodar com minha presença, mas não com a do rato? Tento pegar,
mais uma vez meu gato pelo pescoço, como uma mãe gato, alcanço
minha mão na esquina do canto da sala, mas dessa vez sou mordido.
Pelo gato e também pelo rato. Seus dentes cravando em minha mão
direita. O princípio da dor e...
Então eu abri meus
olhos e despertei.
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