quarta-feira, 22 de abril de 2020

Não se transformou em humano


Por Sander Machado



Eu vi um sonho assim:

Caminho pelas ruas de um bairro de periferia. Ao longe avisto um grupo de antigos amigos, a maioria destes não vejo há anos. Entre eles, porém, está uma mulher de meia idade, ruiva, mas com uma presença jovial e traços de quem já foi muito bonita.

Cumprimentos surpresos são trocados entre os amigos. Diante da mulher ruiva, pergunto seu nome. Então ela responde: "Não lembra mais de mim? Sou aquela lebre vermelha que tu deu de presente para família do C. quando eram mais novos."

Então, dentro do sonho, tenho um flashback: estou saindo da casa onde morei na infância com uma lebre vermelha e enorme no colo. Do outro lado da rua, a gurizada se aquece para o tradicional jogo de futebol no meio da rua. Entrego o bicho para um dos garotos que a recebe com naturalidade. Ela fica por ali, na calçada, farejando algo. 

De repente um cachorro escapa de um pátio vizinho e corre na direção da roedora. Seguro o cão no último instante possível. Ela, aterrorizada, fica virada de barriga para cima, paralisada. Então, deixo ele cheirá-la. A lebre fica ainda mais assustada e me lança um olhar de desaprovação.

Volto para a cena com a mulher ruiva. Agora existe uma sutil tensão sexual entre nós. Ela cheira meu pescoço. Ao fundo, escuto os latidos do mesmo cachorro que nos observa por de trás das grades de um portão.

Então a mulher-lebre diz: "ainda tenho aqueles problemas, ele não se transformou em humano ainda".

Todos ao redor haviam se tornado animais.

Então abri meus olhos e despertei.

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