sexta-feira, 5 de março de 2021

Afogada em traços


                                                            Por Patrícia Louzada


 Eu vi um sonho assim


Abro meus olhos e vejo um enorme espaço em branco. Paredes, chão, teto, nenhuma outra cor a vista.
Sinto-me boiando num vazio alvo, como uma neve ancestral, sem textura, vitrificada pelo tempo.
Não há estranheza, apenas tomo conhecimento de onde estou e penso: preciso caminhar. Até porque, a sensação de ficar parada me lembra um afogamento, afogada em branco, afogada no vazio… então caminho.

Do alto percebo uma linha, laranja, ela vem chegando e traça o vazio branco. Ao surgir traz consigo um ruído forte, seco. Aparece e se gruda ao vazio, criando um desenho. É a primeira cor que vejo nesse lugar.
Chego perto pra perceber que a linha, grossa e firme, causou um degrau. Subo nele pra ver mais além e vejo apenas o vazio branco, sem fim.

Conforme caminho, outras linhas surgem, o mesmo som, o mesmo degrau. Elas se sobrepõem, verde, índigo, rosa choque. Azul, roxo, magenta, amarelo ouro. Vinho, prata, cobre, vermelho sangue.

A cada traço as linhas se aproximam de mim, formam ao meu redor um emaranhado de cores, uma sobre a outra, num ritmo cada vez mais frenético.

Já não caminho, corro.
Corro tropeçando nas linhas, subindo em umas, descendo por outras, atravessando pelo meio delas em busca de ar nesse mar revolto. Já não me afogo no vazio, mas desvio das linhas que descem do ar como projéteis infernais, feitos para me destruir.
Corro em desespero, sem fôlego, enquanto linhas pretas surgem no ar, grossas e porosas, cercando tudo. Entendo que riscam   um papel outrora alvo.

Percebo que estou perdida no meio de um desenho que pode ser belíssimo, mas sou tão pequena e insignificante que não consigo perceber sua totalidade. De onde vejo são apenas linhas, aleatórias, que conforme surgem vão me afogando em seus traços.

Então eu abri meus olhos e despertei.

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